segunda-feira, 13 de agosto de 2007

Capítulo X - Os Sacramentos - Institutas (E) Vol 3, pg 141-144

Capítulo X - Vol 3, pg 141-144

[1536] Os Sacramentos

1. Definição e uso

Agora devemos falar sobre os sacramentos. Temos grande necessidade de receber doutrina correta, pela qual possamos ficar sabendo com que finalidade eles foram instituídos e de que maneira os devemos usar.

Precisamos primeiro entender o que é sacramento. É um sinal exterior pelo qual o Senhor representa para nós e nos testifica a sua boa vontade para conosco, para sustentar, confirmar e fortalecer a nossa fraca fé. Também se pode definir diferentemente o sacramento e descrevê-lo como um testemunho da graça de Deus, testemunho declarado mediante um sinal exterior. Com isso vemos que jamais o sacramento é apresentado sem a Palavra de Deus, que o precede. Ele é acrescentado à Palavra como um apêndice ordenado para simbolizá-la, confirmá-la e certificá-la mais fortemente em nosso interesse, pois o Senhor vê que temos necessidade disto pela ignorância com que julgamos as coisas e pela fraqueza da nossa carne. Não significa que a palavra não seja suficientemente forte e firme em si mesma, ou que ela própria careça de melhor confirmação e fortalecimento (porque outra coisa ela não é senão a verdade de Deus, em si e por si tão certa e segura que não pode receber de outra parte melhor confirmação e fortalecimento; só o pode receber de si mesma); o objetivo é que com ela e por ela sejamos fortalecidos.

A razão disso é que a nossa fé é tão pequena e débil que, se não tiver suporte por todos os lados e não for mantida por todos os meios, de repente se verá totalmente abalada, sacudida e vacilante. E como somos tão ignorantes e tão dados e apegados às coisas terrenas e carnais que não pensamos nem podemos entender nem conceber nada que seja espiritual, o Senhor misericordioso se acomoda com isso à rudeza dos nossos sentidos de modo que, pelos elementos carnais dos sacramentos, ele nos conduz a si e nos faz contemplar, mesmo na carne, o que pertence ao espírito. Não por que as coisas que nos são oferecidas com sacramentos tenham em sua natureza alguma qualidade e algum poder, mas porque são assinadas e assinalas por Deus para terem esta significação.

2. Astúcias totalmente rejeitáveis

Não devemos dar ouvidos a alguns que, em suas astúcias, argumentam falsamente dizendo: “Ou sabemos que a Palavra de Deus, que precede ao sacramento, é a verdadeira vontade de Deus, ou não sabemos. Se o sabemos, nada aprendemos de novo pelo sacramento subseqüente. Se não o sabemos, o sacramento não no-lo poderá ensinar, visto que toda a sua virtude e eficácia jaz na palavra”. Só lhes seja respondido, resumidamente, que os selos que se coloca nas cartas e nos instrumentos públicos, em si nada são, porque, se no pergaminho ou papel não houver nada escrito, eles não servirão para coisa alguma, e em vão serão postos nele. E, todavia, nem por isso eles deixam de confirmar, atesta e tornar mais autêntica a escritura contida nas cartas ou nos documentos, quando a estes os selos são acrescentados. E não poderão dizer que esta figura foi forjada por nós, feita a nosso bel-prazer, pois o apóstolo Paulo fez uso dela quando se referiu ao sacramento da circuncisão com uma palavra grega [Rm4.11], a saber, sfraguida (quer dizer selo).

[1539] Na passagem acima citada, o apóstolo demonstra que a circuncisão não foi imputada a Abrão para justiça. É antes um selo da aliança, na confiança e garantia da qual ele já tinha sido justificado. E por que, rogo que me digam – por que isso deverá fazer-nos merecedores de injúria, se ensinamos que a promessa é selada pelos sacramentos, viso que é claro e manifesto que, entre as promessas, uma é confirmada por outra? Porque a que é mais manifesta é mais própria para assegurar a fé. Ora, os sacramentos nos trazem promessas claríssimas, e com esta particularidade superior à Palavra, que eles representam vividamente as promessas, com que numa pintura. E não devemos deixar-nos abalar pela diferença que se fala que existe entre os sacramentos e os selos das cartas patentes. A saber, que, uma vez que uns e outros consistem de elementos carnais deste mundo, os sacramentos não podem servir para selar as promessas de Deus, que são espirituais, como acontece com os selos utilizados para selar escritos de príncipes, que tratam de coisas transitórias e obsoletas. Não se leve isso em conta porque o homem crente, ao ver o sacramento, não se prende à exterioridade, mas, sim, com santa consideração, eleva-se para contemplar os altos mistérios ali ocultos conforme a harmonia existente entre a figurar carnal e a realidade espiritual.

3. Sinai e selos da aliança, colunas da fé, espelhos da graça

[1536] Sendo, pois, que o Senhor dá às promessas o nome de acordos ou alianças, e aos sacramentos os de sinais e instruções das alianças, pode-se aproveitar algo da semelhança dos acordos e alianças dos homens [Gn 6.18; 9.9,17; 17.20,21]. Para confirmação dos seus acordos, os antigos costumavam matar uma porca. [1536] Que adiantaria uma porca morta, se não houvesse palavras de acordos, ou melhor, se estas não tivessem sido lavradas antes? Porque, muitas vezes, se matam porcas sem haver nisso mistério nenhum. Semelhantemente, que dizer do aperto das mãos, visto que muitos apertam as mãos dos seus inimigos com a intenção de lhes fazer mal? E, todavia, quando tiverem sido proferidas as palavras de amizade e de aliança, tais sinais servem para confirmá-las, mesmo quando já tenham sido propostas, realizadas e estabelecidas. Portanto, os sacramentos são exercícios praticados com a finalidade de nos tornar mais certos e seguros da Palavra de Deus e de Suas promessas. E como somos carnais, os sacramentos também nos são dados em coisas carnais, a fim de que eles nos instruam conforme a capacidade da nossa rude condição e nos dirijam e nos conduzam como os mestres fazem com as crianças que estão aos seus cuidados. Por isso, Agostinho¹ chama ao sacramento palavra visível, porque nos mostra, como numa pintura, as promessas de Deus, e as representa vividamente para nós.

4. Outras figuras

Podemos usas ainda outras figuras para designar os sacramentos e, por elas, tornar a sua significação mais completa e mais clara. Por exemplo, podemos chamá-los colunas da nossa fé. Porquanto, assim como edifício se fixa e se sustém sobre o seu fundamento, e, contudo, quando se acrescentam a ele colunas que lhe dêem suporte, ele se torna mais seguro e mais firme, assim também a fé descansa e se sustém sobre a palavra de Deus como sobre seu fundamento; mas, quando lhe são acrescentados os sacramentos, estes lhe servem como colunas, sobre as quais se apóia com mais firmeza e mais se fortalece.

Também podemos chamá-los espelhos, nos quais podemos contemplar as riquezas da graça de Deus, por ele distribuídas. Sim, pois, como já foi dito, ele se manifesta a nós à medida que a nossa entorpecida mente o pode conhecer, e por eles testifica a sua boa vontade para conosco.

Nota
¹In Ioh. Tractat. 80.3 (Migne, 35,184) cf. Contra Faustum, lib XIX, c. XVI (Migne. 42,356).


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Autor: João Calvino
Fonte: As Institutas da Religião Cristã, edição especial, ed. Cultura Cristã, Vol 3, pg 141-144.

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