Capítulo IX - Vol 3, pg 91-94.
A Oração, com a explicação da oração do Senhor
A Oração, com a explicação da oração do Senhor
1. Introdução, relacionando o texto presente com textos prévios
[1536] Do que foi tratado anteriormente, vemos muito bem quão desnudo e desprovido de todo bem o homem é, e como lhe falta tudo quanto lhe é necessário para a sua salvação. Porque, se ele quiser suprir a sua necessidade, terá que sair de si e buscar socorro fora. Além disso, também foi explicado ao leitor que o Senhor se apresenta a nós liberalmente em seu Filho Jesus Cristo, oferecendo-nos, por meio dele, toda a felicidade, em lugar do nosso infortúnio; toda a abundância, em lugar da nossa pobreza; e nos desvendando, nele, todos os seus tesouros e riquezas celestiais. Com que finalidade? A fim de que toda a nossa fé seja posta no seu dileto Filho, dele seja a nossa dependência, e toda a nossa esperança seja posta nele. Esta é uma filosofia misteriosa, oculta e velada, e não pode ser entendida por meio de silogismos; mas a compreendem aqueles a quem o Senhor abriu os olhos, para que, em sua luz, enxergassem claramente.
Vê-se então que a fé nos ensina que todo o bem que nos é necessário e que em nós mesmos não existe está em Deus e em seu Filho, nosso Senhor Jesus Cristo, em quem o Senhor constituiu toda a plenitude das suas bênção e da sua liberalidade [Cl 1.19 e contexto; Jo 1.14-18]. Seu propósito é que, como de uma fonte transbordante da qual todos nós nos abeberamos, o busquemos e, por nossas preces e orações, peçamos a ele o que aprendemos que nela há. Porque, diversamente, conhecer a Deus e reconhecê-lo como senhor, autor e distribuidor de todos os bens, e que ele nos convida a solicitá-los dele, e não nos dirigirmos a ele e nada lhe pedirmos, seria tão nulo como se alguém desprezasse e deixasse enterrado e oculto sob o solo um tesouro que lhe tinha sido mostrado. Portanto, devemos tratar agora, mais amplamente, deste ponto, sobre o qual não falamos antes, senão incidentalmente e de passagem.
2. A oração nos leva ao templo celestial
[1539] É, pois, pelo benefício da oração que penetramos nas riquezas que temos em Deus. Porque ela é uma forma de comunicação dos homens com Deus pela qual, sendo introduzidos no verdadeiro templo, que é o céu, eles fazem presentes ao Senhor as suas promessas para que, de maneira experimental, ele lhes mostre, quando a necessidade exigir, que a sua simples palavra, que eles creram ser verdadeira, não é mentida nem coisa vã. Assim, não vemos Deus propor-nos alguma coisa que devemos esperar dele que, paralelamente, não nos mande pedir em oração. Tanto é verdade o que dissemos, que pela oração buscamos e encontramos os tesouros que são expostos e ensinados à nossa fé no evangelho. Agora quanto é necessário, e de quantas maneiras o exercício da oração é útil para nós, não se pode explicar satisfatoriamente com palavras.
3. Invocar o nome do Senhor é segurança de salvação
Certamente não é sem motivo que o Senhor testifica que toda a segurança da nossa salvação se funda na invocação do seu nome [Joel 2], visto que por ele obtemos tanto a presença da sua providência, pela qual ele se mostra vigilante no cuidado que nos dispensa, como do seu poder, pelo qual ele nos alivia e nos consola em nossa franqueza e imperfeição, e também da sua bondade, pela qual ele nos recebe em sua graça, apesar de estarmos carregados de pecados. E, para falar resumidamente, como pela oração o chamamos para que se manifeste inteiramente presente conosco, daí decorre um singular repouso pra a nossa consciência. Porque, após expormos ao Senhor a necessidade que nos cerca, temos onde descansar satisfatoriamente, sendo que entendemos que nada da nossa miséria está oculta para aquele cuja boa vontade para conosco é certa, e cujo poder para nos ajudar é indubitável.
4. Objeção: não é desnecessário ou inútil orar?
Todavia, alguém poderá objetar, dizendo: ele não nos conhece sem necessidade de informação, e não sabe em que aspecto estamos em aperto, e quais recursos nos são úteis? Disso decorre que pareceria coisa supérflua pedi-los em oração, visto que estamos acostumados a solicitar coisas inúteis e ociosas. Mas os que argumentam desse modo não vêem a que fim o Senhor instituiu a oração para os seus. Porque não a estabeleceu por sua causa, mas em atenção a nós. Porque, embora ele esteja sempre em vigilância e faça constantemente a ronda para nos preservar, mesmo quando somos tão tolos e obtusos que não percebemos os males que nos rodeiam, e embora, por vezes, ele nos dê socorro antes de ser invocado, todavia nos é necessário suplicá-lo constantemente.
5. Motivos para orar
Primeiro, a fim de que o nosso coração seja inflamado de um veemente e ardente desejo de buscar, amar e honrar sempre a Deus, o que nos fará habituar-nos a ter nele o nosso refúgio em todas as necessidades, como o único porto de salvação. Depois, a fim de que o nosso coração seja tocado de algum desejo, que nem sempre lhe ousamos confessar de imediato, como quando expomos diante dos seus olhos todo o nosso afeto e, por assim dizer, desenrolamos e abrimos todo o nosso coração perante ele. E ainda, a fim de que sejamos habilitados a receber suas bênçãos com verdadeiro reconhecimento e ação de graça, visto que pela oração somos advertidos de que elas nos vêm da sua mão [Sl 45 (notar os versículos 2,6 e 7)]. Além desses motivos, este: a fim de que, tendo obtido o que pedimos, tenhamos em consideração o fato de que ele nos atendeu e, por isso, sejamos incitados a meditar mais ardorosamente em sua benignidade. E também tenhamos mais prazer em gozar os benefícios que ele nos faz, tendo em mente que os obtivemos por meio das nossas orações. Finalmente, a fim de que a sua providência seja confirmada e aprovada em nosso coração, na medida da nossa pequena capacidade, sendo que nós vemos que ele não somente promete jamais abandonar-nos, mas também nos dá acesso para buscá-lo e lhe fazer súplicas quando há necessidade.
Por todas essas razões, o Pai, cheio de clemência, jamais dorme nem cessa o seu cuidado. Todavia, às vezes, parece dormir e cessar, a fim de que por isso sejamos incitados a dirigir-lhes orações e súplicas; recurso divino válido para corrigir a nossa preguiça e o nosso esquecimento. Portanto, é grande perversidade querer alguém fazer com que deixemos de orar, alegando que é coisa supérflua solicitar, por nossas preces, a providência de Deus, a qual, sem ser solicitada, vela pela preservação de todas as coisas. O que ao contrário se vê é que o Senhor não testifica em vão que estará perto de todos os que encovarem seu nome em verdade [Sl 145.18].
6. Negar o valor da oração é loucura
É uma grande loucura alegar que não há nenhuma razão para pedir as coisas que o Senhor voluntariamente está pronto a cumular sobre nós. Por quê? Porque ele quer que nos concederemos que as bênçãos que recebemos, provenientes da sua liberalidade gratuita, são concedidas às nossas orações.
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Autor: João Calvino
Fonte: As Institutas da Religião Cristã, edição especial, ed. Cultura Cristã, Vol 3, pg 91-94.
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