Capítulo III - pg 163,164
A Lei
A Lei
1. Introdução
[1539] Ao explicarmos as coisas que se requerem para o verdadeiro conhecimento de Deus, não é possível concebê-lo segundo a sua grandeza, sem que imediatamente nos venha à mente este pensamento: somente ele tem a majestade merecedora de soberana honra. Quanto ao conhecimento de nós mesmos, dissemos que o ponto principal é que, estando vazios de toda fantasia ou ilusão sobre o nosso próprio poder, despojados de toda confiança em nossa justiça, e, ao contrário, abatidos pela consideração da nossa pobreza, aprendemos a perfeita humildade, rebaixando-nos e destituindo-nos de toda glória. Ambos esses aspectos nos são mostrados pela lei de Deus, na qual o Senhor, reivindicando primeiramente o poder de comandar, ensina-nos a ter reverência por sua divindade, demonstrando em que se situa essa reverência; e a seguir, tendo ordenado a regra de justiça, ele nos recrimina, tanto por nossas tendências como por nossa injustiça. Igualmente mostra que a justiça da nossa natureza, sendo, como é, corrupta e perversa, é inteiramente contrária e repulsiva à justiça de Deus. E mais: que à perfeição dessa justiça as nossas faculdades pessoais não podem corresponder, débeis e inúteis que são para a prática do bem. Portanto, a ordem que registra que registramos no começo desta obra nos leva a tratar agora da lei de Deus.
2. A lei interior
Ora, tudo o que nos é necessário saber dela, de algum modo nós é ensinado pela lei interior, da qual dissemos acima que está escrita e praticamente impressa no coração de cada ser humano. Porque a nossa consciência não nos deixa dormir um nosso perpétuo sem nenhum sentimento. Antes, em nosso íntimo, ela nos dá testemunho e nos admoesta a respeito do que devemos a Deus, mostra-nos a diferença entre o bem e o mal, e assim nos acusa quando deixamos de cumprir o nosso dever. Todavia, o homem está de tal maneira envolvido nas trevas da ignorância que a duras penas consegue, por essa lei natural, ter uma bem fraca percepção de qual serviço agrade a Deus. Ao menos, longe está de conhecê-lo retamente. Além disso, tão inchado de orgulho e de ambição é ele, tão cego de amor-próprio, que nem mesmo pode observar a si mesmo e descer ao seu nível para aprender a humilhar-se e confessara sua miséria. Por isso, conforme necessário à altivez do nosso espírito e à nossa arrogância, o Senhor nos outorgou sua lei, escrita, para nos dar mais certo e claro testemunho dos pontos muitos obscuros da lei natural e, ponto fora a nossa negligência ociosa, tocar mais vivamente o nosso espírito e a nossa memória.
3. O que se de aprender da lei
Agora fica fácil entender o que se aprender da lei. São as seguintes verdades: como Deus é o nosso Criador, tem todo o direto de ocupar sobre nós a posição de Senhor e Pai; por essa razão, devemos render-lhe glória, reverência, amor e temor; e ainda, não somos livres para seguir a cobiça do nosso espírito, para onde quer que nos incite. Mas aprendemos também que em tudo dependemos do nosso Deus e devemos restringir-nos unicamente àquilo que lhe dá prazer; e mais, que a justiça e a retidão lhe são agradáveis, ao passo que, ao contrário, a iniqüidade lhe é abominável. Por isso, se não quisermos por perversa ingratidão abandonar p nosso Criador, devemos amar justiça e aplicar-nos a estudá-la a vida toda. Porque, se somente lhe prestamos a devida reverência quando preferimos a vontade de Deus à nossa, segue-se que não se pode dar-lhe outra honra legítima que não seja a observância da justiça, da santidade e da pureza. E não elícito ao homem desculpar-se por não ter capacidade e, como um devedor pobre, por não ter com que pagar. E não é conveniente nem sensato medir a glória de Deus pelos nossos poderes, visto que, o que quer que sejamos, ele é sempre comparável a si mesmo – e ele é amigo da justiça e inimigo da iniqüidade. E qualquer coisa que exija de nós, visto que só fazê-lo com justiça, só temos que obedecer, por obrigação natural.
O que não conseguimos fazer é por nosso defeito, porque, se somos detidos como que amarrado, por nossa cobiça, na qual impera o pecado, não estando livres para obedecer ao nosso Pai, não devemos, para defender-nos, alegar que se trará de um mal necessário, sendo que o mal está em nós e a nós deve ser imputado.
Aqui são apenas as duas primeiras páginas do capítulo III da Institutas – Edição especial. Calvino continua a desenvolver este assunto maravilhosamente e neste capítulo III, mas à frente, explica cada mandamento do Decálogo do ponto de vista prático, e depois o Sumário da Lei, dado por Jesus Cristo. Compre este maravilhoso livro em http://www.cep.org.br de seqüência a leitura.
Autor: João Calvino
Fonte: As Institutas da Religião Cristã, edição especial, ed. Cultura Cristã, Vol 1, pg 163,164.
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