terça-feira, 11 de dezembro de 2007

POR QUAL TESTEMUNHO S DEVE ESTABELECER A ESCRITURA PARA QUE SUA AUTORIDADE SEJA INDUBITÁVEL

POR QUAL TESTEMUNHO S DEVE ESTABELECER A ESCRITURA PARA QUE SUA AUTORIDADE SEJA INDUBITÁVEL (Segue um trecho do Capítulo VII)
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1. A autoridade da Bíblia provém de Deus, não da Igreja

Antes, porém, que se avance mais, é conveniente inserir certas considerações quanto à autoridade da Escritura, considerações que não só preparem os espíritos à sua reverência, mas também que dissipem toda dúvida. Ora, quando o que se propõe é a Palavra de Deus, é evidente que ninguém demonstrará tão deplorável que ouse abolir a fé naquele que nela fala, salvo se, talvez, for destituído não só de bom senso, mas até mesmo da própria humanidade.

Como, porém, não se outorgam oráculos dos céus quotidianamente, e só subsistem as Escrituras, na qual aprouve ao Senhor consagrar sua verdade e perpétua lembrança, elas granjeiam entre os fiéis plena autoridade, não por outro direito senão aquele que emana do céu onde foram promulgadas, e, com sendo vivas, nelas se ouvem as próprias palavras de Deus.

Certamente que esta é matéria mui digna não só que seja tratada mais a fundo, mas que seja ponderada ainda mais precisamente. Que me perdoem, porém, os leitores, se atento mais para o que dita o propósito da obra encetada dos que para o que requer a amplitude deste assunto.

Entre a maioria, entretanto, tem prevalecido o erro perniciosíssimo de que o valor que assiste à Escritura é apenas até onde a opinião da Igreja concede. Como se de fato a eterna e inviolável verdade de Deus se apoiasse no arbítrio dos homens! Pois, com grande escárnio do Espírito Santo, assim indagam: “Quem porventura nos pode fazer crer que essas coisas provieram de Deus? Quem, por acaso, nos pode atestar que elas chegaram até nossos dias inteiras e intatas? Quem, afinal, nos pode persuadir de que este livro deve ser recebido reverentemente, excluindo um outro de seu número, a não ser que a Igreja prescrevesse a norma infalível de todas assas coisas?”

Depende, portanto, da determinação da Igreja, dizem, não só que se deve reverência à Escritura, como também quais livros devam ser arrolados em seu cânon. E assim, homens sacrílegos, enquanto, sob o pretexto da Igreja, visam a implantar desenfreada tirania, não fazem caso dos absurdos em que se enredam a si próprios e aos demais com tal poder de fazer crer às pessoas simples que a Igreja tudo pode. Ora, se assim é, que acontecerá às pobres consciências que buscam sólida certeza da vida eterna, se todas e quaisquer promessas que existem a seu respeito subsistam embasadas unicamente no julgamento dos homens? Porventura, recebida uma resposta com essa, deixarão elas de vacilar e tremer? Em contrapartida, que ocasião damos aos infiéis de fazer troça e escárnio de nossa fé, e quantos a têm por suspeita caso se cresse que tem sua autoridade como prestada pelo favor dos homens!

2. A igreja está fundamentada na Bíblia

Mas, palradores desse gênero se refutam sobejamente com apenas uma palavra do Apóstolo. Categoriza ele [Ef 2.20] que a Igreja se sustém no fundamento dos profetas e dos apóstolos. Se o fundamento da Igreja é a doutrina profética e apostólica, é necessário que esta doutrina tenha sua inteira infalibilidade antes que a Igreja começasse a existir. Nem procede o que sofisticamente arrazoam, a saber, ainda que daqui derive a Igreja sua origem e começo, a não ser que se interponha o arbítrio da própria Igreja, permanece em dúvida quais coisas se devam atribuir aos profetas e aos apóstolos. Ora, se de início a Igreja Cristã foi fundada nos escritos dos profetas a na pregação dos apóstolos, onde quer que esta doutrina, sua aceitação, sem a qual a própria Igreja jamais teria existido, indubitavelmente precedeu à Igreja.

Portanto, mui fútil é a ficção de que o poder de julgar a Escritura está na alçada da Igreja, de sorte que se deva entender que do arbítrio desta, a Igreja, depende a certeza daquela, a Escritura. Consequentemente, enquanto a recebe e com sua aprovação a sela, a Igreja não a converte de duvidosa em autentica, ou de outro modo seria controvertida; ao contrario, visto que a reconhece como sendo a verdade de seu Deus, por injunção da piedade, a venera sem qualquer restrição.

Quanto, porém, ao que perguntam: Como seremos persuadidos de que as Escrituras provieram de Deus, a não ser que nos refugiemos no decreto da Igreja? É exatamente como se alguém perguntasse: de onde aprendemos a distinguir a luz das trevas, o branco do preto, o doce do amargo? Pois a Escritura manifesta plenamente evidencia não menos diáfana de sua veracidade, que de sua cor as coisas brancas e pretas, de seu sabor, as doces e amargas.
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Autor: João Calvino, As Institutas da Religião Cristã, edição clássica, ed. Cultura Cristã, Vol 1, pg 75-76. Compre este obra prima da Reforma em http://www.cep.org.br.

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